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Sustentabilidade

Hora de regenerar: sustentar não é mais a palavra

As empresas estão sentindo o impacto climático em seus negócios. Deixou de ser uma discussão ideológica de sustentabilidade e passou a ser uma agenda de negócios, de riscos e oportunidades

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Hora de regenerar: sustentar não é mais a palavra
Angela Pinhati, diretora de Sustentabildiade na Natura, “sustentar” não é mais a palavra: é preciso regenerar tudo o que foi degradado

“Sustentar não é mais a palavra. Se quisermos continuar habitando este mundo, precisamos regenerar tudo o que degradamos ao longo do último século.” É assim que Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade da Natura, define os rumos da agenda climática, às vésperas de o Brasil sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em novembro, em Belém. Na opinião da executiva, o evento é uma oportunidade única para o País liderar a agenda para mitigar os efeitos do aquecimento global. Sobre o papel do varejo na transição verde, Angela aponta a coleta (e o uso) de materiais recicláveis pós-consumo como uma alternativa viável, além do olhar para os direitos humanos na cadeia de fornecedores.

No ano em que o Brasil sediará a COP30, quais são os principais desafios e o que podemos esperar em termos de acordos e contenciosos?

As grandes discussões estão pautadas na questão do Acordo de Paris, que completa dez anos. Há um segundo debate, continuação da COP29, que é o financiamento das ações para o controle do aquecimento global, além de toda a parte de regulamentação do mercado global de carbono. Agora, quando olhamos o Brasil como anfitrião, temos uma oportunidade única. Por ser aqui, e em Belém, podemos trazer a bioeconomia à mesa para promover desenvolvimentos econômico e social a partir da agenda de transição climática. O Brasil tem uma posição privilegiada, com uma matriz energética muito apropriada se comparada à maior parte das nações. E é um dos países mais ricos em biodiversidade. O melhor cenário é aproveitar essa agenda para alavancar a economia, gerar uma nova plataforma de emprego para os brasileiros e sair na liderança. Temos oportunidades na venda de crédito de carbono e em trazer indústrias que façam sentido para o País, por causa da nossa matriz energética. Precisamos de uma estratégia muito bem desenhada para conseguir colocar essa agenda a nosso favor. O cenário negativo é sair, de novo, sem os acordos e sem uma clareza de quais são os fundos de investimento para fazer a transição energética. Mas estamos no começo do jogo, momento de todos nós — governo, setor público e sociedade — trabalharmos para que seja uma COP de sucesso. Além disso, estamos mostrando a cara para o mundo. Temos o dever de sermos propositivos, de mostrar que temos propostas que levam a um futuro melhor para todos. Sem dúvida, podemos liderar muitos desses debates, pois o País traz consigo a imagem de ser, nos dias atuais, um país que consegue conectar todos os atores em prol de uma agenda. Sempre foi uma virtude do Brasil, que esse ano está ainda mais forte.

“As empresas estão sentindo o impacto climático em seus negócios. Deixou de ser uma discussão ideológica de sustentabilidade e passou a ser uma agenda de negócios, de riscos e oportunidades.”

O ano de 2024 foi o mais quente da história, e a previsão é de que 2025 possa ultrapassar esse recorde. Na sua visão, o que a economia brasileira, em especial o varejo, poderia fazer para tornar as cadeias de consumo mais sustentáveis?

A primeira coisa é ter uma linha de produtos reciclável, reutilizável, compostável, embalagens que retornem de alguma forma para a cadeia produtiva e componham uma economia circular. O segundo ponto, vou trazer um pouco do nosso exemplo, é a coleta, e o uso, de materiais recicláveis pós-consumo. Olhando a cadeia de fornecedores, primeiro, é preciso garantir a devida diligência com relação aos direitos humanos, que também é uma pauta de sustentabilidade. Não podemos focar somente no tema ambiental; tem toda a parte de comércio justo, de garantir a rastreabilidade em toda a cadeia, de onde vem, e como é o trabalho nessa cadeia, bem como engajar os fornecedores numa jornada de redução de emissões de carbono. Por último, é pensar em como engajar o consumidor no consumo consciente.

Como você vê o Brasil nesse tipo de iniciativa?

Tenho visto uma evolução no Brasil. Primeiro, não é uma ideologia. As crises climáticas estão aí, é comprovado cientificamente e cabe a cada um de nós acelerar essa agenda. Este não é um momento para recuar, não dá mais para negar os fatos. Precisamos acelerar a agenda da descarbonização para termos um futuro possível, trazendo-a para a nossa responsabilidade. Talvez sejamos uma das últimas gerações a ter esse poder na mão. E cada vez mais as empresas estão sentindo o impacto climático em seus negócios. Deixou de ser uma discussão ideológica de sustentabilidade e passou a ser uma agenda de negócios, de riscos e de oportunidades. Gerar resiliência na cadeia de suprimentos é importante para a sobrevivência dos negócios. Então, o empresário que tem o bom senso de olhar a questão climática como um risco pode se antecipar e prever medidas de mitigação.

“As mudanças que o mundo precisa não dependem de uma pessoa, ou só do governo, ou só de uma empresa — é necessária uma movimentação sistêmica.”

Uma novidade recente no Brasil é o avanço na regulação do mercado de crédito de carbono, aprovado em 2024. Como a atual regulação cria uma oportunidade para o empresário brasileiro?

Toda regulação é importante para os negócios porque traz uma clareza sobre como se opera no mercado. E a regulação do mercado de carbono nos ajuda a monetizar as ações de sustentabilidade, viabilizando a transição para uma matriz de carbono de menor impacto. As empresas que se antecipam às exigências regulatórias saem na frente e podem se destacar, tanto para exportar para mercados com mais exigências regulatórias — como o europeu — quanto na conquista de consumidores mais atentos à sustentabilidade. Por outro lado, como estamos falando de carbono, no mercado voluntário, por exemplo, já houve casos de fraude. Então, é muito importante garantir a qualidade e a integridade dos créditos de carbono ofertados. No caso da Natura, compramos projetos de carbono no mercado desde 2007 e temos a meta de desenvolver, até 2030, projetos de carbono nas nossas comunidades parceiras da Amazônia. Atualmente, são cerca de 45 comunidades na Floresta Amazônica — não só no Brasil, mas também no Peru, na Colômbia e no Equador —, em mais de 137 municípios, uma relação que começou em 2000, com a linha Ekos. Comprávamos sementes, a linha foi crescendo e instalamos 19 minifábricas dentro das cooperativas para agregar valor. Hoje, elas produzem o óleo e a manteiga de diferentes bioativos, o que aumentou em quase 60% a renda das famílias. A ação reduziu também as emissões de carbono, porque o óleo concentrado é muito melhor para transportar do que as sementes, e diminuiu o custo logístico também. São contratos de 30 anos com as famílias que fazem parte da cooperativa — todo ano checamos se não houve desmatamento e há pagamento pelo serviço socioambiental de manter a floresta em pé.

Como você vê os esforços do Brasil na transição para uma economia mais verde?

Vejo com bons olhos a evolução, principalmente com o sistema de mercado de carbono regulado no Brasil. Estamos evoluindo na questão regulatória tanto para a descarbonização quanto para a bioeconomia. Apesar de falarmos muito da descarbonização da Indústria, mais de 50% da nossa emissão está baseada no uso da terra, esse é o principal desafio. Então, realmente, os temas que precisamos endereçar são os relacionados ao modo como tratamos o desmatamento, principalmente na Floresta Amazônia. E como o governo ajuda nas questões de posse da terra, documentação e regulamentação ambiental. São fatores básicos para desenvolver projetos de conservação e reflorestamento que, depois, oportunamente, poderiam vir a ser também projetos para venda de carbono. De um lado muito positivo, estamos fazendo as regulamentações corretas — mas, agora, é preciso olhar para as nossas emissões de carbono e focar em como lidar com os temas de desmatamento, que não são simples.

Qual é a importância de empresas de grande porte, como a Natura, reafirmarem o compromisso com a sustentabilidade?

Sustentabilidade nunca foi uma opção. É, historicamente, um valor para a Natura. Então, nunca passou pela nossa cabeça falar: “Bom, agora parece que todo mundo está deixando a agenda, ou nossos competidores estão abandonando a agenda, vamos deixar para trás”. Não, porque essa é a maneira que acreditamos que os negócios devem ser feitos. Acabamos de revisar nossa visão 2050, que propõe sermos um negócio regenerativo até lá. As mudanças que o mundo precisa não dependem de uma pessoa, ou só do governo, ou só de uma empresa — é necessária uma movimentação sistêmica. Precisamos criar esse elo, essa corrente do bem de empresas que acreditem ser possível fazer negócio financeiro bom, com resultados positivos. A primeira coisa é o conceito: apenas sustentar o mundo, do jeito que está, não dá — crise climática, todo o tema de diversidade, equidade e inclusão, guerras… Sustentar não é mais a palavra. Se quisermos continuar habitando este mundo, precisamos regenerar tudo o que degradamos ao longo do último século. Como olhamos para a floresta e a agricultura e regeneramos esses ecossistemas? Como olhamos para a sociedade? Porque, na verdade, tudo o que estamos vivendo vem de uma crise da relação entre os seres humanos. Como nos vemos como parte da natureza? Estamos falando de regenerar a natureza, de regenerar as relações.

Assista à entrevista na íntegra.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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