Legislação
02/06/2021“ICMS: decisão do STF sobre julgamento da ADC 49 não levou em conta a complexidade do imposto”, diz tributarista
Segundo Maria Rita Ferragut, decisão do Supremo carece de diretrizes para orientar contribuintes e Estados sobre acesso a crédito acumulado e benefícios fiscais
De acordo com o presidente do Codecon-SP, a recente decisão do Supremo tem causado grande insegurança
(Arte: TUTU)
Por Filipe Lopes
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 49), que tornou inconstitucional a incidência do ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, foi debatida na reunião virtual do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon-SP), ocorrida na última quinta-feira (27). A tributarista Maria Rita Ferragut, vice-presidente da Comissão do Contencioso Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP), foi convidada para discutir as consequências da decisão para os contribuintes.
A reunião foi mediada pelo presidente do Codecon-SP, Márcio Olívio Fernandes da Costa, também presidente do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Por unanimidade, o Supremo declarou inconstitucionais os dispositivos da Lei Complementar 87/1996, a Lei Kandir, que preveem a ocorrência do fato gerador do ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. Tal decisão reafirmou o julgamento do Plenário realizado em agosto de 2020, quando o STF deu provimento ao recurso extraordinário de um contribuinte, julgado sob o rito de repercussão geral.
Veja também
Não modulação dos efeitos da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias pode provocar rombo nas empresas
Complexidade tributária é uma das causas da baixa competitividade brasileira
Sefaz-SP alcança 20% dos contribuintes na fase de transição da dispensa da GIA
A jurisprudência que definiu que a mera circulação física não gera incidência do imposto não é nova e já tinha sido firmada em 1996, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 166.
De acordo com o presidente do Codecon-SP, apesar de o entendimento consolidado ser favorável aos contribuintes, a recente decisão do Supremo tem causado grande insegurança jurídica aos contribuintes e aos Estados. “Como a decisão tem efeito erga omnes, ou seja, que vale para todos, surgem diversos questionamentos: a medida terá impacto na guerra fiscal? Como fica a legislação estadual? Os créditos ficarão no Estado do estabelecimento de origem?”, questiona Costa.
Segundo Ferragut, o entendimento do STF de que a circulação física de uma mercadoria não gera incidência do imposto – pois não há transmissão de posse ou propriedade de bens – é válido do ponto de vista jurídico, porém, foi feito pela metade. “A decisão foi tomada, mas, agora, como se alinha o ICMS nas operações interestaduais? O STF se limitou a resolver a questão jurídica, mas não se ateve ao fato concreto. Se não houver direcionamento, o contencioso aumentará nos próximos anos”, pondera a tributarista.
Autonomia dos estabelecimentos
Na decisão, o STF declara a inconstitucionalidade da autonomia dos estabelecimentos, ou seja, uma empresa que tem matriz em São Paulo e uma filial no Paraná, passa a ser considerada como contribuinte único. “A questão que surge é: como essa empresa fará com o Sped [Sistema Público de Escrituração Digital] e com o EFD [Escrituração Fiscal Digital]? Acredito que o tema seja alterado por meio de embargos de declaração”, pondera Ferragut.
Créditos acumulados
Outro ponto sensível trazido pela ADC 49 é com respeito aos créditos acumulados. “Temos uma situação frágil, pois o acórdão é genérico. Não trata dos benefícios fiscais. Existem muitos contribuintes que utilizam este dispositivo para ter vantagem tributária na transação interestadual, inclusive investiram recursos para isso”, afirma Ferragut. Ainda segundo a tributarista, o STF deve considerar as operações passadas, anteriormente à ADC, para garantir o benefício gerado a Estados e contribuintes, pois estava previsto em lei.
Modulação necessária
Existe a possibilidade de o Supremo modular os efeitos da decisão, o que “traria mais segurança jurídica a Estados e contribuintes, pois resguardará a validade das operações realizadas até a data do julgamento da ADC - 19/04/2021”, segundo Ferragut.
A modulação foi solicitada pelo Governo do Rio Grande do Norte, por meio de embargos de declaração, a fim de que a eficácia da declaração de inconstitucionalidade dos artigos da Lei Kandir seja prospectada de forma a resguardar a validade de todas as operações realizadas e não contestadas judicialmente até a data do julgamento da ADC, determinando-se a produção de efeitos da pronúncia de nulidade apenas a partir do exercício financeiro subsequente à conclusão do julgamento.
Posicionamento dos Estados
Também participaram da reunião do Codecon-SP representantes das secretarias fazendárias de diversos Estados, que manifestaram suas conclusões sobre a ADC 49. Segundo Elder Souto da Silva Pinto, representante do Estado de Goiás no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), ainda não há consenso sobre a decisão, mas aponta que os entes esperam que as operações passadas sejam preservadas. “Para o futuro, a maioria dos Estados entende que cabe estorno de créditos, mas outros acham que não deve haver, pois se trata de operações que não incidem ICMS. Para resolver o impasse, o Confaz deve lançar um convênio orientando a questão”, afirma.
Segundo Ferragut, os contribuintes devem aguardar o posicionamento do STF sobre os embargos de declaração para mudar a dinâmica das suas atividades. “Já para os fiscos, aconselharia não autuar nenhum contribuinte até a manifestação do Supremo. Após a decisão, devem regulamentar os efeitos da decisão por meio das procuradorias responsáveis, definindo se as mudanças serão imediatas ou não, por existência de legislações ordinárias que se opõem ao que o Supremo decidiu”, conclui.
Além disso, outras opções podem ser discutidas pelo Confaz como: a remissão “perdão” por parte dos estados; ou a transferência do crédito do ICMS para o estado de destino da mercadoria.
Por fim, o Codecon deliberou que será encaminhada manifestação junto ao governo do Estado de São Paulo, requerendo o acompanhamento deste importante tema perante as reuniões técnicas na Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe/ICMS), do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do Ministério da Economia.
Notícias relacionadas
-
Legislação
Mercadorias do mesmo titular têm crédito assegurado
Decreto define que o simples deslocamento de produtos entre filiais ou outras empresas do mesmo contribuinte não caracteriza fato gerador de ICMS
-
Legislação
Quitação de dívidas tributárias: oportunidade para empresários em dificuldade
LegislaçãoBrasil perde por ano R$ 441 bilhões com comércio informal
LegislaçãoEmpresas podem esperar 20 anos para receber saldo credor e crédito acumulado do ICMS