Negócios
13/11/2024Pequenas empresas, grandes impactos: startups com propósito socioambiental ganham espaço no Brasil, mas falta apoio financeiro
Pandemia e eventos climáticos aceleraram o interesse por soluções de problemas; confira a perspectiva de negócios feita pela revista Problemas Brasileiros
O pós-pandemia, em conjunto com o aumento na frequência de eventos climáticos extremos, acelerou o interesse da sociedade por soluções de problemas para os quais ainda não há retorno efetivo do Poder Público ou das grandes corporações. Criadas e maturadas em lugares tão díspares quanto garagens e laboratórios universitários, as startups de impacto socioambiental trazem propostas inovadoras, em geral baseadas em sofisticada tecnologia digital. No entanto, esses negócios lidam com impasses na hora de se mostrarem economicamente viáveis: sem recursos próprios, falta também financiamento — seja público, seja privado.
Segundo o estudo Startups de Impacto Report Brasil 2024, elaborado pelo Observatório Sebrae Startups com 408 empresas da categoria, 37,84% dos recursos vêm de amigos e familiares, e 35,38% do bolso dos próprios sócios. As fontes alternativas — investidor-anjo, fundos de investimento seed, crowdfunding e grupos de venture capital — representam 11,05% dos recursos, cabendo ao fomento público apenas 14,99%. “O discurso de sustentabilidade está presente na maior parte das grandes corporações, mas no momento de apoiar com recursos financeiros, muitas optam por investir em fintechs e deixam as greentechs em segundo plano”, afirma Diogo Garcia, sócio da KPMG na área de Emerging Giants & Venture Capital. De acordo com ele, muitas vezes essas empresas são tratadas como ONGs pelos investidores, embora disponham de conhecimento e noções de inovação resultantes de anos de pesquisa. “Você pode ter a melhor solução e ser o melhor empreendedor, mas se não usufruir de capital para escalar, não vai prosperar” resume.
Ainda de acordo com o estudo do Sebrae, 42,15% das startups estão nas fases de ideação e validação de processos, etapas nas quais ainda não é possível obter receitas. Outras 52,69% encontram-se em fase de tração e crescimento, já com base de clientes, enquanto 5,15% alcançaram o grau de scale-up, quando há aumento das instalações e da produção.
Da universidade para a floresta
É o caso da Krilltech, que venceu o KPMG Private Enterprise Global Tech em 2021, deixando 700 concorrentes de 11 países para trás. “Era uma startup inovadora, mas não tinha visibilidade nem contato com investidores”, lembra Garcia. Nascida em 2015 dentro da Universidade de Brasília (UnB), a agritech é responsável pela descoberta da arbolina, uma nanopartícula constituída por 70% de carbono orgânico, capaz de agir em todas as culturas da lavoura, desde a soja até o alface. “A arbolina propicia 20% de aumento de produtividade no tomate, por exemplo. O tempo de vida na planta é de 15 dias, sendo absorvida pelo solo, transformando-se em fungo e enriquecendo a biota graças ao carbono”, explica o químico Marcelo Rodrigues, sócio-fundador da Krilltech. Já há projetos para que a partícula seja usada em reflorestamento de espécies degradadas na Floresta Amazônica.
Em virtude do sucesso da arbolina, a startup recebeu aporte de 24% no capital societário da distribuidora Casa Bugre, o que permitiu a ampliação da fábrica em Brasília para uma área de mil metros quadrados, cinco vezes superior à antiga planta. A produção é de 300 mil litros por ano, capaz de atender a 2,1 milhões de hectares. Ainda neste ano, deve começar a exportar para a Espanha. O começo, porém, foi bem árduo. “Vendi o meu carro, entrei em empréstimos e cheguei a ficar com uma dívida de R$ 700 mil”, recorda o sócio.
Para tirar do papel a LunaGreen Bioativos, startup de Aparecida de Goiânia que produz insumos naturais para a indústria cosmética, a farmacêutica Nathalia Pedroso Barbosa contou com o apoio da família. “Comecei com R$ 10 mil da agência de fomento do Estado de Goiás e fui sustentada pelos meus pais por mais de um ano até conseguir um pró-labore. Foi o tempo para tirar todas as licenças necessárias com as autoridades sanitárias e do meio ambiente”, conta. A solução desenvolvida é a produção de extratos da flora brasileira sem uso de petrolato e solventes químicos. “São bioativos extraídos a partir de aloe vera, flor de lótus, casca de goiaba, buriti e andiroba e vendidos para conhecidas marcas de cosméticos naturais, como Herbarium, Deleve, Feito Brasil, Quintal e Biocap, explica Nathalia. A LunaGreen também firmou parcerias com comunidades para estimular a economia circular e a reciclagem de embalagens. Sem revelar dados de produção e faturamento, Nathalia afirma que a empresa já iniciou exportações e, em breve, vai inaugurar uma nova fábrica, três vezes maior que a atual.
Atenção à inovação
Segundo Raquel Teixeira, sócia-líder da corporação global EY, líder da área Private LATAM e de programas como o Winning Women Brazil e Empreendedor do Ano, o potencial de crescimento dos negócios de impacto no Brasil é relevante. “Há oportunidades de crescimento na área de Energia Limpa, especificamente em operações de transição energética, com foco em energias renováveis e eficiência”, pontua. A executivo afirma ainda que, em 2023, as rodadas de investimento cresceram 6% em relação ao ano anterior. “Outro setor que continua atraindo interesse é o de Saúde e Educação Inclusiva, com ênfase em soluções digitais que sejam escaláveis em curto prazo”, afirma.
Segundo Andriei Gutierrez, presidente do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), é preciso haver mais proximidade das entidades com o ecossistema das startups de impacto. Com base no relatório do Sebrae, ele destaca cases interessantes, como o de uma empresa carioca que desenvolveu uma solução para o uso de maquininhas de pagamento para pessoas com deficiência visual. E uma empresa de Mato Grosso do Sul que criou uma máquina 100% autônoma para evitar o descarte incorreto de óleo de cozinha. “São inovações que podem ser incorporadas aos setores de Comércio e Turismo, assim como soluções de logística reversa e de controle de emissão de poluentes”, afirma.
Fontes de apoio
Lançado em 2018 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o programa BNDES Garagem é considerado a principal inciativa de aceleração e de premiações a fundo perdido para as startups com soluções inovadoras no campo socioambiental. O projeto não oferece crédito, mas promove gratuitamente mentorias especializadas, conexões com investidores e acesso a uma rede colaborativa. Nas duas primeiras edições, apoiou cerca de 200 startups de impacto. Na atual edição, que começou em outubro de 2024 e vai até abril de 2025, o BNDES Garagem distribuirá R$ 720 mil entre os dez negócios que mais se destacarem no programa de aceleração. Segundo a assessoria de imprensa do projeto, as principais áreas de atuação são Economia Verde e Descarbonização, Educação, Saúde, Economia de Periferia e Segurança Pública.
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, não conta com linha específica para negócios do tipo, mas está aberta a atender a empresas com esse propósito, segundo a assessoria de imprensa do órgão. Os pedidos podem ser tanto para recursos de subvenção econômica (não reembolsável) como para crédito e investimento. Até outubro, foram contratados mais de R$ 13 bilhões para 1,2 mil projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em vários campos. Para o socioambiental, por exemplo, a Finep destinou R$ 2,2 milhões para a Let’s Fly Sustentável, que criou uma farinha proteica, usada como ração animal, óleo e fertilizante a partir da larva da mosca-soldado-negra. Mais R$ 1,5 milhão foi para a Inklua, que desenvolveu uma plataforma para facilitar a inclusão de Pessoas com Deficiência (PcDs) no mercado de trabalho.
Em São Paulo, a agência de fomento Desenvolve SP oferece linhas de crédito e parcerias para negócios inovadores, mas não necessariamente de impacto ambiental. As linhas de crédito têm prazo dez anos, com carência de três. Uma das empresas apoiadas foi a Eureciclo, criada em 2014 e pioneira em um processo de compensação ambiental por meio da reciclagem, conectando produtores de embalagens e cooperativas de reciclagem. Segundo Alessandra Laice, sócia da Eureciclo, a empresa saiu de 4 para 40 funcionários e, hoje, opera com mais de mais de 1,3 milhão de toneladas de resíduos recicláveis.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada seja um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. Acesse o site da revista Problemas Brasileiros e confira todas as novidades.
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