Editorial
23/06/2023Reforma tributária: simplificar é possível (e urgente)
Há projeções de significativo acréscimo na carga tributária, principalmente para o setor de serviços
A modernização do atual sistema tributário brasileiro vem sendo discutida há décadas. No entanto, o desenrolar de uma proposta coerente com a realidade do país ainda se mostra um impasse no poder público. Entra ano, sai ano, o contribuinte segue arrastando o peso de uma legislação anacrônica e na contramão de todos os esforços que empresas e entidades de representação empenham na construção de um ambiente de negócios promissor e seguro do ponto de vista jurídico.
Foco dessa análise são as atuais Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tramitam no Congresso, em especial a PEC 45/2019, cujas diretrizes para o texto substitutivo foram apresentadas recentemente pelo Grupo de Trabalho (GT) que trata da reforma tributária na Câmara dos Deputados.
Alguns pontos merecem atenção. Por exemplo, a adoção de um IVA dual: um de competência da União (PIS e Cofins) e outro compartilhado entre estados e municípios (junção do ICMS e do ISS, o IBS). Contudo, os parlamentares enfatizaram a importância de ambos terem as mesmas características. Ao contrário do que garantiu o relator da proposta — de que não haverá aumento da carga tributária —, há projeções de significativo acréscimo, principalmente para o setor de serviços, um dos que mais tende a ser prejudicado.
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Em um IVA dual, há uma proposta que estabelece a alíquota de 12% de IVA federal (PIS e Cofins); por outro lado, não há sequer uma estimativa de quanto seria o IVA subnacional (ICMS e ISS). Aqui está a grande preocupação: atualmente, temos uma alíquota padrão de 18% de ICMS e de 5% de ISS. Para quanto irá esse percentual?
Ao sugerir a adoção de uma alíquota padrão do IBS, o relatório reconhece a necessidade de alíquotas diferenciadas em casos de bens e serviços específicos, como saúde e transporte público, porém sem contemplar o setor de serviços, justamente o que mais emprega no país — que, por esse motivo, absorverá quase que de forma integral a nova alíquota, já que sua maior despesa está no pagamento da folha salarial, e isso não dá direito a crédito. A depender do impacto, muitos empreendedores correm, inclusive, o risco de encerrarem as atividades ou, em uma hipótese menos pessimista, estagnar investimentos ou reduzir o quadro profissional.
Adentrando a questão do crédito financeiro, a recomendação do grupo é que o valor referente ao IBS seja oriundo do valor cobrado (destacado na nota fiscal), e não como previsto originalmente, que dependia de comprovação do efetivo pagamento. Ainda considera que o ideal seria condicionar o crédito à exigência de comprovação de recolhimento, porém como uma alternativa para ser implementada no futuro, por lei complementar. Tal possibilidade abre a possibilidade de restrição do crédito ao tributo pago. Uma eventual pendência de fornecedor, por exemplo, deve ser exigida pelo fisco sem que o contribuinte seja penalizado.
Cabe chamar atenção, também, para o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas. Na opção por manter o recolhimento unificado do IBS no Simples Nacional, a transferência de crédito será restrita ao montante cobrado no regime unificado. O ideal seria, na verdade, que fosse permitido o crédito integral, como ocorre na atualidade com relação ao PIS e à Cofins — mas, de toda forma, vale reconhecer que existe uma preocupação em mitigar o impacto para a micro e pequena empresa.
Ao estruturar uma proposta de modernização do sistema tributário, a premissa que deve permear os seus pontos é a simplificação, exatamente o oposto da complexidade com a qual temos de lidar atualmente. Nesse sentido, a ausência de um prazo definido para a transição ao novo sistema contradiz essa ideia. Apenas “ser rápida” não dá qualquer sinalização de eficiência, e pior: além de se atentar às obrigações acessórias do antigo regime, o contribuinte ainda terá que se adequar às novas regras sem um período estabelecido, o que tornaria ainda mais inviável a sua jornada fiscal tributária.
Essas questões supracitadas são algumas das quais a sociedade, em minha opinião, deve acompanhar e contar com o apoio de entidades representativas em busca de aprimoramento com os parlamentares. Aliás, não foi apresentado o texto substitutivo da PEC 45/2019, apenas o relatório. Isso também é motivo de grande preocupação, já que não temos a garantia de que o documento final vai abranger as ações pretendidas, como vimos, por exemplo, quanto ao crédito amplo.
É imprescindível que o texto seja de conhecimento da população antes de ser levado à apreciação do plenário da Câmara dos Deputados. Considerando a complexidade das alterações pretendidas, sem o texto não é possível identificar os impactos econômicos e jurídicos.
Sintetizando o objetivo dessa discussão, o que acontece, na prática, é que não há tempo hábil e cenário propício, no momento, para uma ampla reforma tributária, mas para medidas factíveis e que deem fôlego ao empreendedorismo no Brasil. Normas essas que vão ao encontro da redução — ou, no mínimo, de manter a carga tributária setorial, já que a nacional segue no topo do ranking entre as mais altas do mundo —; da simplificação no modelo de cobrança dos impostos e das penalidades desproporcionais ao não cumprimento das atuais obrigações fiscais; e da segurança jurídica, terreno que necessita de fertilidade para bons investimentos e crescimento econômico.
É possível? A resposta é sim, e alterações mais simples, como a adoção de legislação nacional dos atuais tributos sobre o consumo (ICMS e ISS), com tributação no destino e implantação de cadastro, nota fiscal e obrigações acessórias unificadas, já melhorariam muito o atual sistema tributário.
*Márcio Olívio Fernandes da Costa é presidente do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da FecomercioSP e presidente do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon-SP).
Artigo originalmente publicado no Jota em 23 de junho de 2023.
Saiba mais sobre o Conselho de Assuntos Tributários (CAT).
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