Legislação
19/11/2024Regulamentação da Reforma Tributária cria paradoxo ao misturar consumo, com a inclusão do ITCMD
Imposto sobre heranças e doações ganha novas regras no PLP 108/2024, que tinha como objetivo principal a criação do Comitê Gestor do IBS
O Projeto de Lei (PLP) 108/2024, ao mesmo tempo que avança na proposta de criar o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), surpreende ao incorporar mudanças no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um tributo estadual que incide sobre a transmissão de heranças e doações, aplicado sobre o patrimônio, decisão que parecia distante dos objetivos iniciais da Reforma Tributária — reconhecida como a “reforma sobre o consumo”. Essa inclusão levanta discussões sobre o escopo do projeto, apontando um paradoxo entre a busca por simplificação do sistema tributário e a adição de complexidade administrativa.
As mudanças no ITCMD presentes no PLP foram discutidas na reunião do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), na última quarta-feira (13), que contou com as participações de Luís Eduardo Tavares dos Santos, advogado especializado em Direito da Família, das Sucessões e de Planejamentos Patrimoniais e Sucessórios, e de Maria do Rosário Esteves, juíza da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP).
A regulamentação do ITCMD preenche uma lacuna histórica, pois, desde a promulgação da Constituição de 1988, não havia uma legislação complementar para regular esse imposto estadual. Embora a uniformização do ITCMD entre os Estados seja um avanço positivo, há certos pontos que merecem atenção, como o caso da incidência do imposto na distribuição desproporcional de dividendos, afirmou o presidente do conselho, Márcio Olívio Fernandes da Costa.
Alterações à vista
Os ajustes no ITCMD visam uniformizar a legislação no âmbito federal, por meio da padronização da base de cálculo sobre o valor de mercado, além de manter o tributo no domicílio do falecido, para o caso de imóveis, e sob avaliação do mercado, quando se tratar de sociedades.
Bens no exterior
A proposta de tributar bens no exterior é controversa, pois atualmente a maioria dos Estados não o faz em razão das dificuldades de fiscalização e dos acordos internacionais. Com a aprovação, o ITCMD passará a incidir sobre bens de brasileiros no exterior provenientes de herança ou doação.
“Antes da Emenda Constitucional 132/2023, os Estados tinham competência para regular o tema fora do País, porém carecia de lei complementar para estabelecer a cobrança do imposto sobre bens no exterior. Com a reforma, esse cenário foi modificado”, afirmou Maria do Rosário.
Esse movimento pretende não só aumentar a arrecadação como também reduzir a evasão fiscal de grandes fortunas, especialmente no contexto de um cenário internacional onde muitos países já aplicam tributos semelhantes sobre patrimônios no exterior. Para isso, o projeto prevê parcerias com outras nações para o intercâmbio de informações financeiras, o que permitirá uma fiscalização mais efetiva sobre os bens que antes escapavam ao controle do Fisco.
“Se o doador ou falecido tiver domicílio ou residência no exterior, a cobrança será feita onde o herdeiro ou beneficiário tiver domicílio. Se o beneficiário morar em outro país, a cobrança será feita no Estado onde o bem estiver”, explicou Santos.
Alíquotas progressivas
Outra mudança relevante está na introdução da progressividade das alíquotas do ITCMD, uma medida que pretende tornar o imposto mais justo ao vincular o valor à capacidade contributiva do contribuinte. Atualmente, muitos Estados, incluindo o paulista, aplicam alíquotas fixas sem diferenciação baseada no bem transmitido. Com o novo projeto, alíquotas progressivas passam a ser adotadas, variando de acordo com a faixa de valor dos bens ou das doações, incluindo porcentuais que aumentam à medida que o patrimônio doado ou herdado cresce.
Por exemplo, propriedades e valores de herança de pequeno porte seriam tributados a taxas menores, enquanto fortunas maiores pagariam taxas superiores, com os objetivos de reduzir a concentração de renda e garantir mais justiça social. Para os Estados que implementarem a progressividade, o projeto estabelecerá faixas máximas de alíquotas, garantindo certa uniformidade, mas permitindo ajustes conforme a realidade econômica de cada região.
Essa progressividade está prevista no Projeto de Lei 7/2024, em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), da seguinte forma:
Distribuição desproporcional de dividendos
No PLP 108/2024, a distribuição desproporcional de dividendos foi incluída como um mecanismo para fortalecer a arrecadação do ITCMD, principalmente em casos de planejamento sucessório e de doações realizadas dentro de companhias.
Em uma empresa, a distribuição de dividendos geralmente segue a proporção de participação dos sócios ou acionistas. Por exemplo, se um sócio tiver 30% das cotas, ele receberá 30% dos dividendos distribuídos. No entanto, no caso de uma distribuição desproporcional, os dividendos podem ser distribuídos de forma desigual entre os sócios, independentemente das participações no capital social.
Segundo Santos, a nova regra poderia gerar um aumento da arrecadação do ITCMD para os Estados, mas também levanta questionamentos quanto ao impacto sobre as estratégias de planejamento tributário. “Embora a medida seja eficaz no combate à evasão, pode tornar o processo sucessório mais custoso e complexo, em especial para famílias que utilizem estruturas empresariais na hora de planejar a sucessão patrimonial”, ponderou.
É importante destacar que foi excluído o trecho do PLP 108 que considerava como doações, para fins da incidência do ITCMD, atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados. Mas, segundo Maria do Rosário, a eliminação do dispositivo não impede que o Fisco estadual cobre o imposto nessas situações.
Impactos e desafios
As mudanças propostas geram expectativas de uma arrecadação maior e mais justa para os Estados. Nesse sentido, a inclusão de bens no exterior na base de cálculo pode ajudar a combater a evasão fiscal, embora ainda restem dúvidas sobre o êxito dessa medida em razão da complexidade da fiscalização internacional.
Vale lembrar, porém, que a progressividade das alíquotas pode tornar a aplicação do imposto mais complexa, exigindo que os Estados invistam em sistemas de controle eficientes para garantir que as novas regras sejam cumpridas. Além disso, existe o receio de que a tributação de bens no exterior leve a um aumento da judicialização, com herdeiros questionando a constitucionalidade da medida.
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