Sustentabilidade
07/04/2025Como funciona o mercado de carbono?
Aprovado no fim de 2024, sistema tem mais aderência entre grandes empresas, mas pequenas e médias podem aproveitar o momento favorável

Em dezembro de 2024, o Congresso Nacional aprovou um dos projetos mais aguardados pelos atores que compõem o debate ambiental brasileiro: a regulação do mercado de créditos de carbono no Brasil — ou, pelo nome oficial, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
Dividido em cinco fases de implantação, em um processo que levará até cinco anos, a aprovação é só o começo. Neste momento, o governo encaminha a criação de um órgão gestor do SBCE e define quais setores da economia estarão dentro do chamado mercado regulado. Essa fase deve se estender até 2026.
De forma sucinta, o novo mercado de carbono permitirá que empresas de todos os setores produtivos compensem as emissões dos gases que geram o efeito estufa no planeta, conhecidos pela sigla GEE. Essa compensação poderá se dar pela compra de créditos vinculados a iniciativas de preservação ambiental em qualquer setor ou atividade econômica, em todas as regiões do Brasil.
Um exemplo: se uma empresa do ramo têxtil, hipoteticamente, emitir mais GEE do que uma meta estabelecida pela própria (no caso dos negócios que aderirem ao mercado voluntário) ou pelo governo (no mercado regulado), deverá, por lei, entrar no sistema para compensar esse volume excedente, comprando créditos produzidos por iniciativas que, no movimento contrário, estão agindo para preservar o meio ambiente. Nesse primeiro momento, dizem especialistas ouvidos pela Revista Problemas Brasileiros, a regra atinge com mais força as companhias de grande porte.
COP à vista
Nos bastidores, diz-se que o Parlamento aprovou, após anos de discussão, o projeto com certa rapidez por pressão do Executivo, que busca levar à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) — que acontecerá novembro, em Belém, no Pará — uma série de mecanismos que já estejam em funcionamento. Entram nessa lista, também, por exemplo, a regulação da exploração de energia eólica offshore (em alto-mar) e as metas já definidas no Plano Clima, as quais devem ser entregues pelos ministérios até o fim deste semestre.
Embora seja vista pelo governo como uma conquista, a regulação do mercado de carbono ainda é desconhecida pela maior parte do universo corporativo brasileiro. Essa falta de entendimento é ainda mais significativa, justamente, no universo gigantesco das Pequenas e Médias Empresas (PMEs), que dão a tônica da economia cotidiana, mas que não sabem como operar no sistema quando a hora chegar. “Esse conhecimento é um dos desafios mais complexos”, admite Cristiane Cortez, assessora do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). “A primeira fase ainda tem mais perguntas do que respostas. A lei está aí, mas carece de definições que serão feitas na fase de regulamentação”, completa. Esse é o processo atual. “Não há consciência, porque falta mobilizar a sociedade com mais força em torno dos dilemas ambientais do Brasil”, critica Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente nas gestões petistas (2010–2016). Hoje, ela atua representando uma série de entidades privadas, como o LIDE — Grupo de Líderes Empresariais e a Ambipar.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, que atua no campo das políticas públicas para temas ambientais, a grande questão agora é, exatamente, a regulamentação. “Temos de fazer isso com rapidez e clareza, porque o sistema só vai funcionar se as pessoas confiarem nele”, adverte.
Como funciona?
O SBCE estabelecerá um teto de emissões de GEE para os diferentes tamanhos de negócios. No entanto, esse teto ainda não foi definido. O que se sabe é que apenas quando for ultrapassado — ou quando as metas de redução estabelecidas pelas próprias empresas não forem alcançadas — as companhias deverão adquirir “permissões de emissões”, tecnicamente chamadas de Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs). “Na prática, significa que esses negócios terão de alterar tecnologias de produção ou o uso de matérias-primas e combustíveis para se manterem abaixo desse teto. As companhias poderão comprar a redução de emissão de GEE de outras empresas, o chamado crédito de carbono”, explica Cristiane, da FecomercioSP.
Cada cota adquirida por uma empresa dará o direito de emitir até uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), sempre após a compra. De um lado do balcão, negócios em busca dessas permissões. Do outro, produtores dos créditos, que os colocam à venda. O objetivo de médio prazo é que as empresas não precisem comprar as cotas — a moeda do sistema —, dizem especialistas, mas que consigam reduzir as emissões, aproveitando os incentivos financeiros em circulação para a adoção de práticas mais limpas em suas atividades. Aquelas que conseguirem avançar nesse sentido poderão até devolver as cotas após um período a ser estabelecido.
Uma das poucas certezas é a de que a lei trouxe obrigações para os grandes emissores. Aqueles que emitem mais de 10 mil tCO2e, como indústrias de transformação e siderúrgicas, devem enviar ao governo relatórios anuais de emissão, além de divulgar apresentações periódicas. E as empresas que emitem acima de 25 mil tCO2e, como mineradoras, ainda precisam enviar os chamados relatórios de conciliação. Nesse documento, as companhias devem relatar também as ações de redução de emissões para que alcancem as metas estabelecidas, além de confirmar que os créditos de carbono comprados estão dentro das metas de permissão de aquisição. Como PMEs estão longe desse volume de emissões (pelo menos a vasta maioria, a priori), a sua atuação no mercado segue em outra direção: o mercado voluntário.
Entre o voluntário e regulado
Outro ponto importante da nova lei é que esta cria dois mercados no SBCE: o regulado e o voluntário. O primeiro funciona a partir de metas de redução de emissões elaboradas pelo governo para os setores produtivos, que podem ser atendidas pela diminuição das emissões ou pela compra de cotas. Como um dos principais objetivos ambientais do País tem esse foco — reduzir até 67% das emissões de GEE até 2035, no escopo do Acordo de Paris —, o mercado regulado desempenha papel central no projeto ambiental brasileiro de longo prazo.
Por outro lado, o mercado voluntário sofre menos interferência pública, funcionando como um espaço livre de troca de créditos de carbono entre as próprias empresas, com base em contratos e acordos estabelecidos. Em outras palavras, entra quem quer. As companhias que reduzirem as emissões, explica Cristiane, poderão vender esse saldo para negócios que, obrigatoriamente, devem diminuir o volume de emissões no mercado regulado — ou para aquelas que voluntariamente queiram realizar esse processo. “Isso é um incentivo para que todos adotem políticas ambientais”, afirma. Significa, então, que qualquer empresa com um conjunto de metas ambientais relacionadas à redução de emissões poderá negociar com outras a compra das cotas, seguindo as próprias estratégias.
O coordenador de Finanças Sustentáveis do Ministério da Fazenda, José Pedro Bastos Neves, enfatiza como o novo sistema é todo baseado nessa relação comercial entre os participantes. “A ideia é que, quando uma empresa reduz mais emissões do que a meta estabelecida, ganha dinheiro [vendendo cotas]. Por outro lado, quem emite mais do que a meta, vai precisar compensar esse excedente, pagando, dentro do mercado, para quem está reduzindo", detalha. Cristiane reforça, por fim, que o mercado voluntário será o lugar de atuação das PMEs. É fundamental que esses negócios aproveitem o atual momento para criar um inventário de carbono próprio ou vislumbrar, para o horizonte futuro (ou ao menos colocar no papel), práticas de sustentabilidade, opina. Assim, poderão atuar neste mercado com a venda de créditos de carbono. “Será uma nova e muito relevante fase do mercado ambiental brasileiro”, finaliza.
Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.
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