Legislação
07/10/2020Fim de benefícios fiscais pode transferir R$ 10 bilhões do setor privado ao governo estadual e elevar preço de carne, leite e outros alimentos
Em prol das empresas, FecomercioSP pede alteração urgente de pontos do projeto de lei que eleva carga tributária
Os preços dos produtos básicos já estão subindo bem mais do que a inflação
(Arte: TUTU)
*Atualização em 16/10/2020: foi sancionado o PL 529, agora convertido em Lei 17.293/20.
O Projeto de Lei (PL) 529/2020, em debate no Estado de São Paulo, pode elevar a carga tributária de muitas empresas e, também, tornar produtos como carne e leite mais caros. A proposta deve pôr fim a benefícios fiscais do ICMS e uniformizar a alíquota do IPVA, fatores totalmente prejudiciais aos negócios e à população, que tentam se recuperar da crise financeira. Na prática, o PL pode transferir R$ 10 bilhões do setor privado e dos consumidores para o setor público – e o impacto disso no consumo, no investimento e na geração de empregos será enorme.
Esse cálculo consta no próprio PL, que estima que diversos fatores farão com que o déficit orçamentário estadual do próximo ano seja de R$ 10,4 bilhões, de modo que a proposta se apresenta como uma forma de equacionar esse déficit – na prática, com um aumento da arrecadação, em vez de um corte de gastos. A FecomercioSP reforça que um aumento da tributação de ICMS recairia justamente sobre os produtos que, por sua essencialidade, são beneficiados com alíquotas e/ou redução de bases de cálculos. Os bens afetados pela proposta, como alguns alimentos – ou outros materiais essenciais para a construção (principalmente as populares) –, compõem uma parcela relevante do orçamento das faixas de renda mais baixas.
Esse PL, de forma geral, propõe realizar um ajuste fiscal no governo estadual. A proximidade da votação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) levou a FecomercioSP a enviar um ofício no fim de setembro ao órgão. O documento, destinado aos líderes partidários, apresenta algumas propostas para impedir que o PL seja aprovado sem as devidas alterações.
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As empresas do varejo e de telecomunicações também estão preocupadas com os possíveis resultados do plano. Em reunião com a Federação na última terça-feira (6), foi decidido que é necessário um esforço coletivo para impedir que o ambiente de negócios sofra tais danos. Com base nisso, a FecomercioSP, em conjunto com essas organizações, preparou um manifesto enviado ao governador João Doria nesta quinta (8), a fim de que ele compreenda o impacto da proposta para empresas e população e, assim, reforce junto aos parlamentares a importância de uma alteração urgente nos pontos que elevam a carga tributária estadual. Nesse sentido, também foram encaminhados ofícios a parlamentares.
Confira os principais pontos do manifesto a seguir.
▸ Cálculos iniciais da Federação mostram que produtos que, hoje, contam com alíquota efetiva de 7%, poderiam passar a ter alíquotas de 8,4%. Os que têm alíquota de 12%, para 14,4%.
▸ Produtos essenciais poderiam ter um aumento de preços de 1% a 1,5% somente com essa medida, enquanto que muitos materiais de construção, de 2% a 2,5%. Esses aumentos são bastante relevantes, pois ocorrem de forma imediata, e ainda há outros fatores que já estão pressionando esses preços – como uma demanda maior por bens e um aumento excessivo do dólar neste ano.
▸ A FecomercioSP separou alguns itens que podem sofrer reajuste, de forma a avaliar as estimativas das variações acumuladas em 12 meses até setembro – e para identificar qual seria a variação de preços com aumento do ICMS.
Elaborado pela FecomercioSP com base no IPCA-15 (IBGE)
▸ Segundo esses dados, essa cesta de alimentação acima subiu 15,7%, e poderia ter subido ainda mais com novas alíquotas do ICMS em vigor. Arroz, feijão e macarrão não sofrerão aumento, já que a cesta básica não será afetada, conforme disse o govenador. Mas, mesmo assim, produtos como carnes, leite, entre outros essenciais, vão sofrer o ajuste causado pela majoração da alíquota.
▸ Os preços dos produtos básicos, em especial os de alimentação, já estão subindo bem mais do que a inflação, corroendo o orçamento das famílias. Com o adicional de custo imposto pelo aumento do ICMS, essa alta pode se tornar ainda mais forte. Isso vale para muitos remédios, já que apenas uma parte bastante restrita dos medicamentos integra a cesta básica.
▸ Vale lembrar que, neste ano, os salários devem ser corrigidos por um índice entre 1% e 2%, em raros casos, acima de 2%. Com isso, um aumento de ICMS pode rapidamente corroer toda a reposição salarial, principalmente nas faixas de renda mais baixas, onde os itens essenciais que hoje têm uma alíquota menor – e que serão majorados – têm um peso maior.
▸ O impacto do PL nas empresas também é relevante. No ano, as perdas projetadas do varejo paulista devem ser em torno de 4%, ou de quase R$ 28 bilhões, em relação ao que foi faturado no ano passado. Isso, por si só, pode gerar uma perda de mais de 300 mil postos de trabalho e resultar no fechamento de mais de 60 mil empresas em todo o Estado. Os números derivam da pandemia, e não de ações públicas, mas mostram que a situação do consumo e das empresas não abre espaço para mais aumentos de tributos.
O que precisa mudar no projeto de lei
Em resumo, o artigo 24 do PL 529/2020 autoriza o Poder Executivo a renovar e a reduzir benefícios fiscais do ICMS – em outras palavras, aumentar uma alíquota atualmente fixada abaixo de 18%. Entretanto, este dispositivo não deixa claro se haverá um corte linear em todos os benefícios existentes ou somente cortes pontuais.
O maior problema é que artigo 24 é inconstitucional, visto que o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal traz o princípio da estrita legalidade tributária. Isso só permite instituição ou majoração de tributo por meio de lei. Dessa forma, o aumento do ICMS no Estado de São Paulo depende da apresentação de um projeto de lei que altere o artigo 34 da Lei 6.374/89 (Lei do ICMS).
O PL ainda propõe a uniformização em 4% da alíquota a ser aplicada no cálculo IPVA, revogando a redução de 50% da alíquota de imposto existente para veículos destinados à locação, de propriedade empresarial. Este aumento de custos, por meio da carga tributária, prejudicará locadoras de veículos e também as atividades dos motoristas de aplicativo (Uber, Cabify, 99, etc.), que são, hoje, importante forma de sustento de milhares de lares paulistas.