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Legislação

“Não existe a possibilidade de se reformar o sistema tributário brasileiro durante uma pandemia”, afirma Ives Gandra Martins

Diante das incertezas econômicas e sanitárias, a FecomercioSP apoia que o tema seja discutido após se ter uma maior dimensão sobre as consequências destas crises sobre a sociedade

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“Não existe a possibilidade de se reformar o sistema tributário brasileiro durante uma pandemia”, afirma Ives Gandra Martins

Projetos de Reforma Tributária que tramitam no Congresso foram elaborados em outro contexto
(Arte/Tutu)

Por Filipe Lopes

Apoiada pelo setor produtivo, a Reforma Tributária ganhou contornos incertos diante da pandemia causada pelo coronavírus, que perdura por mais de um ano e exige atenção total dos governantes para resolver os problemas sanitários e econômicos. Segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, presidente do Conselho Superior de Direito (CSD) da FecomercioSP, neste cenário, não há possibilidade de mensurar os impactos das crises sobre a sociedade e ter a certeza de que as atuais proposituras (propostas de emendas constitucionais 45/2019 e 110/2019 e Projeto de Lei 3.887/2020) estejam de acordo com a conjuntura pós-pandemia.

Ives Gandra participou de reunião ordinária do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação, no último dia 14 de abril, que discutiu a Reforma Tributária no contexto da pandemia de covid-19.

No início deste mês, a FecomercioSP solicitou, por meio do seu Conselho Superior de Direito (CSD), ao presidente Jair Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso Nacional, que não apreciem os projetos relacionados à Reforma Tributária na conjuntura atual.

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De acordo com o jurista, uma mudança constitucional desta magnitude não pode ser debatida a distância. “Não existe a possibilidade de se reformar o sistema tributário brasileiro durante uma pandemia. Em virtude do distanciamento social, o debate legislativo, realizado com parte considerável dos parlamentares conectados remotamente, fica prejudicado. Considerando a importância do tema, é fundamental que seja apreciado sem limitações técnicas, as quais podem acelerar equivocamente a análise sobre os quadros econômico, social e fiscal do País”, pondera Martins.

Além da inviabilidade física, Ives Gandra acredita que tanto o projeto do governo (PL 3.887), quanto as PECs 45 e 110 de autoria da Câmara e do Senado, respectivamente, foram elaborados em outros contextos econômico, social e sanitário, e devem ser reeditadas para a realidade atual. “A PEC 45 centraliza a tributação na União, desfavorecendo os entes federativos. Já a PEC 110 comprime a competência tributária da União e dos municípios, gerando inconstitucionalidade por desrespeitar o pacto federativo. Por fim, o PL 3.887 aumenta significativamente a complexidade na apuração das contribuições e a possibilidade de litígios”, afirma.

Para Fernando Facury Scaff, tributarista e professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), o governo perdeu a hora de fazer uma Reforma Tributária ampla e eficiente. “Todo governo que assume tem cem dias para pôr a casa em ordem e dizer a que veio. Contudo, agora, restam 20 meses para o fim da gestão, e os parlamentares não podem se reunir presencialmente para definir uma matéria tão importante como esta. O melhor caminho seria melhorar os pontos que não precisam de alterações constitucionais e deixar o amplo debate para um momento adequado”, aponta Scaff, que também é conselheiro do CAT.

O presidente do CAT, Márcio Olívio Fernandes da Costa, corrobora com a ideia de prorrogar as discussões de uma ampla reforma para quando o ambiente econômico estiver pacificado, porém, defende uma série de medidas para flexibilizar o sistema. “O País precisa de uma simplificação tributária que não aumente a carga, mas que reduza a burocracia e a complexidade do sistema”, diz Costa, que também é presidente do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon-SP).

Em contrapartida, o conselheiro Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, ex-secretário de Fazenda dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, acredita que mesmo em meio à pandemia e à instabilidade política atual, a Reforma Tributária deveria ser feita para dar uma resposta positiva ao mercado financeiro. “Gostaria muito de discutir a Reforma Tributária neste momento. Evidentemente, não é o momento ideal, mas a sinalização de viabilizar uma mudança drástica no sistema seria importante para retomar a economia nacional e atrair investidores”, pondera.

Melhoria do sistema tributário

A FecomercioSP defende que, em vez de instituir uma Reforma Tributária, o governo faça uma revisão considerável dos gastos, por meio de uma Reforma Administrativa ampla. Além disso, medidas de simplificação tributária podem ser implementadas por leis ordinárias e complementares, cujos trâmites no Congresso Nacional são mais simples do que o de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Desta forma, para o presente momento, a Entidade sugere a adoção de medidas alternativas que poderão promover a simplificação e a desburocratização das obrigações acessórias, além da consequente melhoria do ambiente de negócios, nos termos a seguir indicados.

1) Instituir imunidade temporária, por cinco anos, com relação a impostos e contribuições incidentes sobre importação, produção, comercialização, transporte e aplicação de vacinas para o uso humano.

2) Reparar a mora legislativa com relação à edição das seguintes leis complementares, previstas na Carta Magna e, até hoje, não editadas:

a) resolução dos conflitos de competência tributária entre os entes federativos (artigo 146, I, da CF);

b) disciplinamento da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) nos casos de domicílio no exterior (artigo 155, § 1º, III, da CF);

c) concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) – artigo 155, § 2º, XII, g, da CF.

3) Acolher a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que concerne aos direitos creditórios na sistemática não cumulativa de PIS/COFINS.

4) Instituir normas visando à desburocratização tributária, dando curso à tramitação, no Senado Federal, do Projeto de Lei do Senado (PLS) Complementar 406/2016, subscrito pela Mesa Diretora desta Casa Legislativa e produzido no âmbito da Comissão de Juristas para a Desburocratização do Senado, presidida pelo ministro Mauro Campbell do STJ e relatada pelo ministro Dias Toffoli, do Superior Tribunal Federal (STF), cujos principais pontos são:

a) instituição do Cadastro Único de Contribuintes;

b) eliminação das exigências extrafiscais na inscrição de contribuintes, mantida, quando cabível, a comunicação da inscrição a outros órgãos de controle;

c) baixa automática de contribuintes sem pendências fiscais, admitida a possibilidade de reinscrição de ofício no caso de identificação de irregularidades após a concessão da baixa;

d) eliminação da exigência de certidão negativa para contratação com o setor público, com possibilidade de retenção nos pagamentos durante a execução dos contratos para fins de quitação de créditos tributários;

e) sujeição da instituição de obrigações tributárias a regras de anterioridade plena;

f) condicionamento à observância das normas fiscais à previsão na consolidação específica de cada tributo, à luz do que dispõe o artigo 212 do CTN;

g) anuência para a compensação universal dos tributos no âmbito de um mesmo ente federativo;

h) alinhamento da responsabilidade solidária dos sócios, em matéria tributária, à jurisprudência do STJ.

5) Instituir comissão de especialistas, com os objetivos de identificar problemas relacionados com o processo tributário, o federalismo fiscal e os vigentes tributos, e, em seguida, propor alternativas de soluções.

Programa de Parcelamento Incentivado

Atendendo à solicitação feita pela FecomercioSP, por meio do CAT, desde março do ano passado – início da pandemia de covid-19 – para auxiliar empresários e contribuintes em débito com o Fisco, o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI) de 2021, mediante o Projeto de Lei (PL) 177/21, de autoria do Executivo paulistano, está sendo apreciado na comissão Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ), da Câmara Municipal de São Paulo.

A Federação apoia a iniciativa, sendo que ainda não havia, no âmbito da capital paulista, qualquer postergação do vencimento dos tributos, exceto com relação à parcela do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) devida pelas empresas optantes pelo Simples Nacional, nos termos das Resoluções do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) 154/2020 e 158/2021.

Segundo o assessor do CAT, Alberto Borges de Carvalho Júnior, entretanto, o PL é similar ao texto do PPI de 2017, quando a realidade econômica dos contribuintes era completamente diferente da atual: impactada pela pandemia e com diversas restrições impostas pelo Poder Público ao funcionamento dos estabelecimentos paulistanos desde março de 2020.

Neste sentido, o CAT solicitou à Câmara Municipal o aprimoramento do PL, com a inclusão dos fatos geradores ocorridos até o mês anterior ao da publicação da lei, o que, por consequência, torna necessária a alteração do prazo para adesão ao parcelamento. O conselho sugeriu ainda a ampliação dos porcentuais de descontos diferenciados e a exclusão da vedação da instituição de novos parcelamentos, entre outras alterações.

O PL 177 promove, também, alterações consideráveis no processo administrativo fiscal e no Conselho Municipal de Tributos (CMT). A FecomercioSP e o CAT avaliam que, antes de qualquer mudança, deve ser feito um amplo debate sobre o tema, prejudicado no período pandêmico. Por isso, solicitam a exclusão dos artigos 13 a 16 e 27 do referido PL. Uma das alterações pretendidas que merece destaque é a que possibilita ao Secretário Municipal da Fazenda a criação de limite de alçada para processamento de recurso ordinário à segunda instância administrativa municipal, similar ao que ocorre no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), que, no entendimento da Federação, irá prejudicar os direitos dos contribuintes à isonomia, ampla defesa e ao contraditório, ferramentas constitucionais garantidas pelo processo administrativo tributário.

Modulação dos efeitos dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal

O novo agendamento do julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela União Federal, no recurso extraordinário que trata da incidência do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574706) também foi tema da reunião do CAT.

A assessora do conselho, Sarina Manata, apresentou aos participantes o histórico do processo, que há cinco anos aguarda definição na chamada “modulação” dos efeitos da decisão. “Em 2017, o STF fixou tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS. Mas no mesmo ano, a Advocacia Geral da União (AGU) protocolou Embargos de Declaração da União com pedido de modulação dos efeitos da decisão, alegando impacto financeiro e orçamentário”, aponta. Segundo dados da Receita Federal, as restituições podem chegar a R$ 250,2 bilhões, até 2015.

Em consenso com a relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia, o presidente do STF, o ministro Luiz Fux, marcou para o dia 29 de abril o julgamento.

Outro tema de interesse dos contribuintes que foi debatido no encontro, foi sobre o julgamento do RE 1.072.485, que em agosto do ano passado, a questão voltou à tona e foi fixada tese de que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias” (tema 985). Na sequência, em outubro, a AGU enviou embargos de declaração com pedido de modulação dos efeitos da decisão para que fosse autorizado ao fisco a possibilidade de cobrar os valores que não foram recolhidos antes da decisão que fixou a tese no STF.

De acordo com estimativas da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), sem a modulação da decisão o impacto para as empresas será de R$ 80 a R$ 100 bilhões, contando o pagamento retroativo desde 2014.

Apesar deste julgamento ter sido suspenso, sem previsão de data para retomada, o Conselho espera que a decisão não contenha efeitos retroativos, para evitar agravar ainda mais os prejuízos suportados pelos contribuintes neste período de crise pandêmica.

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