Legislação
03/03/2025O novo processo administrativo tributário pode se tornar inarmonizável no Brasil, diz Eduardo Salusse
Advogado debate no Codecon/SP as consequências das mudanças nas relações entre o Fisco e os contribuintes, no âmbito da Reforma Tributária






Na quarta-feira (28), o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP) discutiu os efeitos do Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24 no processo administrativo tributário, pelo fato de causar reflexos nas situações em que o contribuinte precisar recuperar valores pagos indevidamente aos cofres públicos, especialmente no contexto da regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Na ocasião, Eduardo Salusse, advogado tributarista e sócio-fundador do escritório Salusse, Marangoni, Parente e Jabur Advogados, alertou para os riscos que o projeto pode trazer aos contribuintes, apontando que o texto atual do PLP — em andamento no Senado Federal — pode limitar direitos dos contribuintes, inclusive afastando a capacidade dos órgãos julgadores de garantir a legalidade e a constitucionalidade das normas tributárias.
“De acordo com o projeto, o Comitê Gestor do IBS, que terá representantes de todos os entes federados, ficará responsável por coordenar a arrecadação, elaborar o cálculo da alíquota, a fiscalização, a cobrança e a distribuição do imposto. Porém, como ficará o direito dos contribuintes ao tentar reaver tributos pagos indevidamente, bem como as implicações jurídicas e práticas envolvidas nesse processo?”, indagou Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Codecon/SP e presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Segundo Salusse, o texto em tramitação no Congresso conta com uma “bomba” silenciosa, que pode “tornar o processo administrativo tributário inarmonizável no Brasil”, referindo-se ao atual artigo 92, parágrafo 3º, do PLP 108/24 — o dispositivo veda “às autoridades julgadoras, no âmbito do processo administrativo tributário, afastar a aplicação ou deixar de observar a legislação tributária sob o fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
A palavra legislação, explicou o especialista, abrange não apenas leis, tratados e convenções internacionais, mas também decretos e normas complementares, conforme as diretrizes estabelecidas pelo sistema tributário brasileiro, no artigo 96 do Código Tributário Nacional (CTN). “Isso significa que, quando determinado contribuinte sofrer uma autuação fiscal e apresentar sua defesa ou recurso, os julgadores nos tribunais administrativos serão impedidos de afastar essas legislações sob o fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade”, detalhou Salusse.
Controle de legalidade
O especialista criticou a proposta, afirmando que ela representa uma “carta branca” para a administração tributária interpretar e orientar auditores fiscais por meio de atos infralegais, como portarias e resoluções, muitas vezes indo além dos limites definidos pela lei. “Será uma espécie de fishing expedition do direito tributário”, comparou, pontuando que os contribuintes ficarão com poucas opções para contestar exigências ilegais de forma célere e acessível, sendo empurrados para um Judiciário lento e caro.
Salusse lembrou que, atualmente, órgãos como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) têm competência para afastar atos infralegais que violem a lei. “Esse controle de legalidade no processo administrativo não é uma mera opção, mas uma obrigação de toda a administração, decorrente do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, sendo obrigatório rever seus próprios atos ilegais”, ressaltou. E classificou como “inadequado e contraditório” proibir que a administração tributária, obrigada a observar o princípio da legalidade, afaste as normas infralegais que violem essa mesma legalidade.
“Desarmonização”
O especialista também destacou o desequilíbrio nas relações entre os contribuintes e o Poder Público, citando os privilégios processuais da Fazenda, como prazos em dobro e isenção de custas, além da lentidão dos processos judiciais, que podem levar até dez anos para serem resolvidos. “Quando o contribuinte vence, modula-se a decisão em favor do Estado, e os tributos indevidamente pagos viram precatórios, que muitas vezes não são honrados”, lamentou.
Sobre o processo administrativo tributário, Salusse enfatizou seu papel como instrumento célere, técnico e eficiente para controlar abusos e ilegalidades. “Ele funciona há mais de 100 anos no Carf e há quase 95 anos no TIT. Agora, o PLP pretende retirar um dos poucos instrumentos à disposição do contribuinte para controlar eventuais abusos”, alertou.
O especialista reforçou ainda a necessidade de revisão do PLP 108/24 para garantir o equilíbrio nas relações. “Há tempo para mudar. O desequilíbrio nas relações não é salutar para o estado democrático de direito e em nada contribuirá para a harmonia social”, concluiu.
Esse debate sobre os rumos do processo administrativo tributário no Brasil é crucial, com o PLP 108/24 representando um ponto de atenção para especialistas e entidades representativas do setor. O Codecon/SP seguirá acompanhando as discussões e mobilizando esforços para garantir que os direitos dos contribuintes sejam preservados.
Codecon Nacional
O presidente do Codecon/SP, ressaltou, na reunião, o andamento do Projeto de Lei Complementar 125/2022, que propõe estabelecer normas gerais relacionadas aos direitos, garantias e deveres dos contribuintes, instituindo o Código de Defesa dos Contribuintes em âmbito nacional.
O PLP 125/2022 destaca-se pela relevância em modernizar a legislação tributária e fortalecer as relações entre contribuintes e Fisco. Por isso, Costa sugeriu que as entidades considerem apoiar o projeto para garantir sua evolução, inclusive recomendando a criação do Conselho Nacional de Defesa do Contribuinte (Codecon Nacional), com composição paritária, a fim de garantir a observância dos direitos, garantias e obrigações dos contribuintes.