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Economia

Produtividade não cresce porque educação brasileira não é compatível com o mercado de trabalho

Segundo Fernando de Holanda Barbosa Filho, da FGV, País precisa se modernizar para que a qualificação profissional gere um trabalhador mais produtivo

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Produtividade não cresce porque educação brasileira não é compatível com o mercado de trabalho
Economista Fernando de Holanda Barbosa Filho (Foto: divulgação)

A escola brasileira prepara o aluno para um mundo que não existe mais, não atendendo às necessidades do mercado — e isso prejudica o potencial do País de se tornar mais produtivo e gerar riqueza e renda. O problema é de longa data, mas se torna mais preocupante em um momento em que a quarta Revolução Industrial, a Inteligência Artificial (IA) e as tecnologias que chegam constantemente mudam a demanda por qualificação e, de certa forma, até o conceito de emprego. “Mais do que nunca, o Brasil precisa pensar em uma modernização com foco em treinamento para o mercado de trabalho”, afirmou Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), durante a reunião plenária das diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), realizada na última segunda-feira (24).

“Preparamos o aluno, mas não para o mercado de trabalho que ele terá de enfrentar, e isso é um problema grave. Se não fizermos nada, diversos empregos serão perdidos ao longo dos próximos anos em razão das mudanças tecnológicas. Obviamente, no passado, talvez as qualificações para as novas funções fossem mais fáceis de se adquirir do que agora”, complementou. Neste momento, enfatizou o pesquisador, o País precisa treinar e retreinar os trabalhadores, e ainda elevar as suas capacidades para outros níveis.

A modernização do Estado, em diversas frentes, tem sido a prioridade das ações da FecomercioSP em 2024. Ao longo dos últimos meses, a Federação abriu espaço para discussões com acadêmicos, empresários, especialistas e nomes importantes do setor público, de forma a apresentar os caminhos mais efetivos. A educação é um dos pilares desse processo. Confira, a seguir, os destaques da participação de Barbosa Filho durante a reunião. 

Universalização do ensino

Segundo os dados apresentados pelo pesquisador, o investimento público direto em Educação passou de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1950, para mais de 5%, na década de 2010. Somente a partir dos anos 1990, o Brasil se esforçou para universalizar a educação, de forma que foram “décadas de atraso para simplesmente conseguirmos colocar todas as crianças no colégio. No passado, a escolha pública era uma maravilha, mas, infelizmente, a cobertura dela era para menos de 2% das crianças. O desafio é, justamente, mantê-la maravilhosa com 100% das crianças. Em decorrência das crises constantes, a Nação não consegue observar o grande esforço e o enorme sucesso da universalização. Uma dessas crises foi a pandemia, que deixou uma ‘cicatriz’ permanente em vários dos dados sobre a educação brasileira”, complementou.

Por outro lado, nos últimos anos, reduziu-se a lacuna entre os gastos com os níveis fundamental e superior. “Em 1950, gastávamos 75 vezes mais com um aluno superior do que um aluno fundamental. A distorção aumentou, ainda entre 1950 e 1960, mais de cem vezes. Finalmente, reduzimos isso ao longo do tempo. E aos analisar os gastos atuais, um está muito mais próximo do outro, com uma razão menor. Isso tem sido essencial para preparar a sociedade para o futuro”, sinalizou. 

Ainda assim, esse é um problema persistente, de forma que torna o País uma máquina de gerar desigualdade, tendo em vista que os jovens com renda mais alta estudam em escola privada e conseguem acessar o ensino superior público com mais facilidade, seguindo carreiras que pagam mais. “Na prática, estamos estimulando a ampliação da desigualdade. Não à toa, trabalhamos bastante para chegar a isso, insistindo nos erros que já existiam muitas décadas atrás.” 

O que impede que a melhoria educacional vire ganho de produtividade?

Ainda de acordo com Barbosa Filho, outro fator relevante é a mudança de composição da educação brasileira e o seu efeito ao trabalho. O trabalhador com 12 a 15 anos de estudo representava somente 15% da força de trabalho brasileira na década de 1990. Hoje, esse número já é de 45%. Naquela década, os trabalhadores com zero a 4 anos de estudo, de forma conjunta com os que só tinham completado o ginásio, representavam mais de 60% da força, contra 20% atualmente. E o empregado com ensino superior passou de 5% para 20%. Da mesma forma, aquele que só tem o ensino médio “também está em extinção”, hoje, em 15%. 

Para o especialista, a grande expansão na Educação no Brasil tem tornado a força de trabalho muito mais qualificada, e há sinais disso: a queda da informalidade para aproximadamente 50%, assim como o rendimento mais alto, passando de cerca de R$ 1,7 mil para R$ 3 mil, em 30 anos. “Isso só aconteceu pois a escolaridade melhorou.” Por outro lado, esse fenômeno é insuficiente para ganhos de produtividade. “Desde a década de 1980, o produto total dos fatores de produção, que engloba capitais físico e humano, cresceu, em média, 0,1%, 0,2% ao ano, o que é bastante medíocre. A eficácia do trabalho, infelizmente, não apresentou um resultado melhor — entre 0,5% e 1%”, afirmou.

Barbosa Filho ainda explicou que, ao longo do tempo, o trabalhador somente aumentou a renda porque as pessoas entraram para o grupo dos mais escolarizados, mas o rendimento dentro de cada grupo não se expande. “Se o trabalhador de cada grupo estivesse aprendendo mais na escola, seria mais produtivo e ganharia um salário mais elevado. O fato é que a nossa educação não está adequada ao mercado de trabalho, por isso não há ganhos de produtividade”, advertiu. “Hoje em dia, já produzimos um aluno que tem mais do que o ensino médio, com 11 anos de escolaridade, ao menos. Isso é bastante positivo. Ele é melhor hoje, mas quando chega ao mercado de trabalho, essa pessoa não ‘entrega’. Algo está impedindo que a melhora educacional vire um ganho de produtividade.”

Segundo o pesquisador, o desafio é conseguir fazer com que a qualificação profissional gere os ganhos que o Brasil não tem atualmente. “É fundamental resolver o problema da baixa relação entre a elevação da educação e o ganho de produtividade.” 

Falha na avaliação das políticas educacionais

Na Europa, a educação profissional ou técnica é extremamente relevante. Um caminho que, de certa forma, o Brasil parece ter abandonado, relatou Barbosa Filho. Desde a década de 1990, diversas políticas de qualificações técnica e profissional foram adotadas no País, das quais o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi a mais famosa. Infelizmente, a iniciativa não obteve resultado positivo na reinserção profissional, tampouco sobre o salário, explicou.

Ainda assim, houve um “braço extraordinário”, o Pronatec-MDIC, gerenciado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com empregabilidade elevada. “No entanto, esse projeto bem-sucedido recebeu menos de 1% dos recursos totais do Pronatec. No País, não identificamos os quadros de sucesso e, assim, não conseguimos replicá-los para outros obterem ganhos ao longo do tempo. A primeira coisa que precisamos fazer com as políticas de qualificação profissional é a avaliação sistemática, em tudo. Se não criarmos essa cultura, não teremos ideia do que funciona”, disse.

O especialista da FGV ponderou que o Pronatec-MDIC fazia o fundamental: coletava informações sobre a necessidade futura por trabalho com grandes empresas de diversos setores e regiões, capturando a demanda de mercado por profissional qualificado. 

Na contramão, o Brasil falha por não oferecer aquilo que o mercado procura e por não materializar essa necessidade nos programas de qualificação e requalificação, bem como por não alçar o trabalhador a uma capacitação acima do que a função exige. “Falta, então, avaliação constante e ligação com o mundo real. Com a rápida mudança da tecnologia, a readaptação do empregado para esse novo cenário é desafiadora. A parceria entre os setores público e privado é central. Se o Poder Público não se atentar às demandas de quem empregará, não conseguirá criar uma política pública efetiva. Historicamente, no País, alguém em uma posição relevante decide que determinado setor é mais importante, enquanto que o mundo segue em direção diferente. Esse erro é um custo a todos nós”, salientou.

Inteligência Artificial

Na reunião, o especialista também destacou que ainda não está claro até que ponto o capital humano da sociedade será complementar ou substituto da Inteligência Artificial (IA). Dessa forma, quanto mais preparado o profissional estiver, mais complementar tenderá a ser, gerando emprego, renda e produtividade. “Para um determinado tipo de qualificação, infelizmente, ele será substituído. De fato, vai tirar oportunidade de trabalho. Cabe a nós conseguirmos identificar as oportunidades e as necessidades do trabalhador brasileiro.”

De acordo com o presidente executivo da FecomercioSP, Ivo Dall’Acqua Júnior, “ainda que o avanço tecnológico seja irreversível, o capital humano seguirá como o grande ativo do desenvolvimento. Quem tiver conhecimento e souber utilizar as novas ferramentas, ocupará os postos de trabalho de quem não tiver. Nessa esfera, convivemos com um descompasso entre as grades curriculares de ensino e a realidade do mercado laboral.” 

Contudo, algo preocupante na mesma medida é a baixa adesão ao modelo de educação profissionalizante no Brasil. “Em outros países, existe uma procura muito mais acentuada, inclusive da classe média, por esse tipo de formação. No Brasil, somente 11% dos jovens de 15 a 19 anos cursam ensino profissional, segundo a OCDE. Nos demais países da organização, 44% optam por essa modalidade. Há um descompasso entre o que ocorre aqui e nos países mais desenvolvidos. Fica claro que só teremos ganhos de produtividade se houver um conjunto de políticas articuladas para melhor capacitação — inclusive dos professores —, além do investimento em infraestrutura educacional, com a participação ativa do setor privado”, concluiu Dall’Acqua Júnior, que, recentemente, foi homenageado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em alusão aos 80 anos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e por suas ações desenvolvidas ao longo de 14 nos, no diálogo pela justiça social. Fique de olho e acompanhe as propostas da FecomercioSP rumo à modernização estatal por este link.

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