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Legislação

Saúde mental dos trabalhadores virou motivo de preocupação entre o governo e o setor produtivo

Afastamentos por questões mentais duplicaram em uma década, para 440 mil em 2024; mudanças estruturais no mundo do trabalho ajudam a explicar os números

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Saúde mental dos trabalhadores virou motivo de preocupação entre o governo e o setor produtivo
Dentre as principais causas de ausências e afastamentos relacionados à saúde mental, destacam-se episódios depressivos, transtornos de ansiedade e reações a estresse grave (Arte: TUTU)

A saúde mental dos trabalhadores virou motivo de preocupação entre o governo e o setor produtivo. Não é para menos: de acordo com dados do Ministério da Previdência Social (MPS), o número de brasileiros afastados do trabalho por transtornos mentais duplicou na última década, saltando de 203 mil, em 2014, para 440 mil, no ano passado, um recorde da série histórica. E não se trata de um problema nacional apenas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que estresse, ansiedade e depressão custam cerca de US$ 1 trilhão, todos os anos, à economia global, totalizando 12 bilhões de dias de trabalho perdidos.

O aumento dos afastamentos por distúrbios emocionais reflete uma combinação de dois aspectos importantes, na avaliação de Luiz Scavarda, conselheiro da Human S.A., grupo educacional focado no desenvolvimento de habilidades humanas voltadas para a liderança, a gestão e o bem-estar organizacional. Segundo ele, de um lado, há uma conscientização cada vez maior sobre a saúde mental. O tema deixou de ser tabu, ganhou espaço nas discussões organizacionais — especialmente após a pandemia — e passou a ser tratado com mais seriedade. Exemplos disso são a inclusão da síndrome de burnout na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), em 2022. Do outro lado, existe um agravamento das incertezas e da complexidade do mundo corporativo, o que aumenta o desconforto, o estresse e, consequentemente, os casos de adoecimento.

É nesse segundo aspecto que se concentra Bruno Chapadeiro Ribeiro, psicólogo e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF). Na sua avaliação, são muitos os motivos que levam ao adoecimento mental do trabalhador, todos relacionados às profundas transformações do mundo laboral contemporâneo: precarização, intensificação das jornadas, pressão constante por produtividade, insegurança econômica e falta de proteção social, além do crescimento acelerado do trabalho informal e das formas atípicas de emprego, como terceirizações, trabalho intermitente e atividades em plataformas digitais.

Dentre as principais causas de ausências e afastamentos prolongados relacionados à saúde mental, destacam-se episódios depressivos, transtornos de ansiedade e reações a estresse grave. A combinação de cargas de trabalho excessivas, ambientes tóxicos e falta de apoio das lideranças e de programas de saúde mental, além do estigma e da falta de autonomia, contribui para o aumento dos problemas de saúde mental no ambiente de trabalho, corrobora Luiz Rafael Bezerra, consultor de Saúde Ocupacional da Mercer Marsh Benefícios. Ele defende que é fundamental que as empresas reconheçam esses fatores e implementem estratégias para promover um ambiente mais saudável e equilibrado nas empresas.

Reação

Diante disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revisou a Norma Regulamentadora 1 (NR-1), tornando obrigatório o monitoramento da saúde mental nas empresas, sob risco de multa. Inicialmente, as novas regras entrariam em vigor no início deste mês, mas, atendendo ao pleito do setor produtivo, a fiscalização foi adiada para maio de 2026. A medida entra em vigor nesta segunda-feira (26), mas em caráter educativo e orientador, ou seja, sem aplicação de multas.

A NR-1 é uma regulamentação federal que estabelece diretrizes gerais para a Saúde e Segurança no Trabalho (SST) no Brasil. Na versão atualizada, de 2024, a norma incorpora explicitamente os chamados “riscos psicossociais no ambiente laboral”. Na prática, explica Ribeiro, da UFF, isso significa que as empresas precisam identificar, avaliar e gerenciar condições relacionadas à organização laboral que possam causar ou agravar adoecimentos de ordem mental, como os assédios moral e sexual, sobrecarga de trabalho, jornadas exaustivas, falta de autonomia e ausência de apoio social adequado.

Apesar da importância que a mudança trará para a relação entre empregados e empregadores, a norma está longe de ser unanimidade e tem causado preocupação nas empresas. “A NR-1 representa vulnerabilidade para os negócios, já que a amplitude e a subjetividade dos conceitos listados como fatores de risco psicossociais — por exemplo, sobrecarga de trabalho, baixa justiça organizacional, falta de reconhecimento, entre outros — geram insegurança jurídica, dificultando a sua aplicação concreta e a sua fiscalização justa”, afirma Karina Zuanazzi Negreli, assessora jurídica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Na sua avaliação, embora bem-intencionada, a alteração da NR-1 precisa de aperfeiçoamento técnico e mais tempo de assimilação para garantir segurança jurídica e viabilidade de implementação pelas empresas.

A advogada Claudia Abdul Ahad, sócia do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados, concorda. De acordo com ela, embora a NR-1 represente um avanço, a sua implementação preocupa o setor empresarial, tanto pelos custos dos programas de saúde mental quanto pela resistência cultural a conversar sobre questões emocionais. “Grandes empresas, com mais recursos, podem investir em psicólogos e políticas sólidas, mas negócios menores podem enfrentar dificuldades para cumprir as exigências sem comprometer o orçamento”, adverte.

É importante lembrar que a NR-1 se aplica a todos os tipos de negócios que tenham empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), porém algumas obrigações são flexibilizadas. Por exemplo, Micro e Pequenas Empresas (MPEs) classificadas como grau de risco 1 ou 2, e que não apresentem exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos, podem ser dispensadas da elaboração do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Karina aponta que, de modo geral, as empresas menores não estão preparadas. “As MPEs, geralmente, não contam com uma área de saúde ocupacional estruturada e lidam com restrições orçamentárias e de pessoal técnico, o que dificulta a adaptação às exigências”, detalha.

Segundo a assessora da FecomercioSP, ainda que algumas dispensas estejam previstas, a NR-1 impõe ações que muitas companhias ainda não conseguem absorver plenamente. “Esses negócios têm margens reduzidas para investimentos em consultorias e assessorias técnicas, razão pela qual lidam com mais dificuldade para a aplicação de métodos e sistemas de gerenciamento de fatores de riscos, principalmente aqueles de caráter tão subjetivo como os relacionados ao monitoramento da saúde mental tratados na NR-1”, pontua.

As consequências são profundas e multifacetadas, ressalta Karina. A primeira é a incerteza sobre o comando normativo, pois a norma determina a obrigação de identificação e avaliação sistemática dos riscos psicossociais. “Entretanto, não oferece parâmetros para a detecção desses fatores como de risco, porque são dotados de grande subjetividade, sem a possibilidade de métrica concreta quanto aos níveis toleráveis. Por exemplo, o que seria ‘cobrança ou pressão excessiva’?”, questiona.

A NR-1 determina que as empresas identifiquem os riscos à saúde mental no ambiente de trabalho e elaborem planos de ação para reduzi-los. “Isso representa custos diretos e indiretos, além de exigir uma mudança cultural substancial, em especial em organizações de menor porte, sem que, necessariamente, exista a garantia de que suas ações sejam consideradas adequadas por parte da fiscalização do trabalho”, observa Karina.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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