Economia
24/02/2023Política externa brasileira precisa ser orientada pelo pragmatismo dos interesses nacionais
Veja debate entre a professora da Faap, Fernanda Magnotta, e a diplomata Irene Vida Gala
É fundamental que a formação de políticas diplomáticas de Estado e de governo levem em conta as transformações correntes em todo o mundo, sem deixar de lado os fatores de interesse permanente. “As políticas de governo [do Brasil], aquelas que consideram a leitura do momento, não podem estar engessadas em parcerias ou modos de pensar o mundo que não reflitam a alteração do ambiente internacional. Já a nossa parceria com a América do Sul é um interesse permanente. Não podemos fugir do nosso entorno geográfico; a geografia é um dado incontornável”, defende Irene Vida Gala, subchefe do Escritório de Representação do Itamaraty em São Paulo.
Irene participou de debate promovido pelo Canal UM BRASIL – uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) – em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), ao lado de Fernanda Magnotta, professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais na mesma instituição. Para Fernanda, uma política externa que carregue uma ideologia se torna um problema quando a visão de mundo do(da) líder da nação faz com que se perca a objetividade dessa política.
“Ela [a ideologia] cega, diante das formas como podemos diagnosticar os conflitos postos na realidade, bem como as opções disponíveis para lidar com eles”, pondera. “A visão de mundo é parte da democracia, do debate público e da negociação constante, de forma que ninguém será neutro, mas precisa ser objetivo, cumprindo com as prerrogativas do que se espera em termos de longo prazo”, Fernanda salienta.
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Em outras palavras, Fernanda sinaliza que o interesse nacional pode seguir diferentes rotas e adotar diversos meios para se realizar – requalificando parceiros e seus níveis de prioridade –, mas é necessário mirar em uma direção que faça sentido ao povo.
Desenvolvimento qualificado e pilares do século
Na conversa, Irene define alguns dos ativos que são pilares para a política externa brasileira no século 21: a quantidade de países vizinhos e as necessidades de diplomacia e de relação intensa; o fato de sermos uma economia de peso e uma potência agrícola; e, ainda, a discussão em torno das mudanças climáticas, que torna a Amazônia (localizada predominantemente em território brasileiro) um tema de interesse global. “Eu adoraria falar da nossa capacidade em ciência e tecnologia, mas, no aspecto da industrialização e de tudo o que está associado a um valor agregado em produção intelectual, nós estamos aquém do que poderíamos estar.” Ela ainda explica que a noção de desenvolvimento no País, que representa uma política permanente de Estado, precisa evoluir de um valor absoluto e historicamente fechado no aspecto econômico.
“Eu acredito que se a Constituição de 1988 fosse reescrita hoje, este desenvolvimento seria qualificado, sustentável e, certamente, inclusivo, pois a sociedade brasileira reconhece as desigualdades como um de seus problemas essenciais. Um desenvolvimento que supere as desigualdades, ou que contribua para isso, é um valor permanente de uma política de Estado diplomática. Nos últimos anos, ficamos muito carentes desta visão de interesse nacional que fosse mais ampla [nestes aspectos] e no respeito ao conjunto da sociedade”, reforça a diplomata.
O momento na política externa brasileira
O Brasil está diante da oportunidade de se reengajar nos padrões e parâmetros já conhecidos pela história diplomática nacional, em função de valores defendidos há décadas pelo Itamaraty e por lideranças internas, independentemente da matriz política, Fernanda complementa. “Trata-se de uma política externa engajada, ativa, universalista. Estamos falando de um Brasil que busca protagonismo, que tenta se pôr como mediador de grandes crises, articular no campo multilateral e que irá colher, nesta busca por reconhecimento, algumas vantagens – e cavar espaço para levar seus interesses adiante”, destaca.
Ela ainda pondera que, dentro de uma política externa universalista, um dos desafios do Brasil é conseguir navegar entre as disputas que acontecem do ponto de vista de uma transição hegemônica entre Estados Unidos e China, ao garantir os próprios interesses e diversificar os riscos, sem necessariamente se comprometer com nenhum destes dois parceiros. “A política externa, neste cenário, precisa ser orientada pelo pragmatismo dos nossos desejos: desenvolvimento das nossas capacidades, garantia de espaço em mercados, transferência de tecnologia, acesso à ciência, defesa das nossas agendas políticas e reforço das nossas posições multilaterais”, conclui a professora.
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